Direto ao Ponto: II – Por que dinossauros gostam de contar histórias sobre o passado?
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Olá, dev!
Este é o mais um artigo da série DIRETO AO PONTO, que eu estou escrevendo para a DIO. Ele vai tentar explicar a causa pela qual nós, dinossauros da tecnologia, adoramos contar histórias antigas, falar do passado.
Sumário
1. Introdução
2. Minha história na tecnologia e na programação
3. Considerações finais
4. Referências
1 – Introdução
A série DIRETO AO PONTO enfoca artigos sobre conhecimentos básicos da programação e é voltada, principalmente, para os iniciantes.
Os artigos são publicados semanalmente, toda segunda-feira de manhã (deveria ser na terça, não era? Mudei, fica melhor para mim nas segundas!)
Você já deve ter notado que pessoas mais velhas adoram falar sobre a história das coisas antigas, como computadores, tecnologias ultrapassadas, objetos que caíram em desuso, métodos abandonados e outras coisas obsoletas, bem como suas experiências vividas com estas coisas, não é?
Se essas coisas já foram superadas, por que relembrá-las? Por que não falar apenas de coisas recentes e usadas por todo mundo?
Quando eu decidi criar esta série, eu pensei em escrever artigos técnicos, para explicar aos devs iniciantes conceitos básicos da programação.
No entanto, achei que também seria interessante escrever sobre a história de coisas ligadas à área, de como viemos parar aqui, hoje, com Internet, smartphones, Inteligência Artificial, Google, redes sociais, robôs, veículos autônomos e tudo mais que a tecnologia nos proporciona atualmente.
A ideia é compartilhar com vocês, mais jovens, as experiências que eu vivenciei desde 1980 até hoje, pois vocês não sabem como foi passar por isso.
Os artigos técnicos continuarão a ser publicados às segundas-feiras de manhã, seguindo a agenda prevista, enquanto os artigos com histórias serão publicados nas quintas-feiras, complementando e contextualizando os assuntos tratados nos artigos técnicos. Além disso, publicar um artigo por semana seria muito demorado para concluir toda a série que eu planejei, por isso, agora serão dois.
O primeiro artigo programado para esta série não era técnico, pois tratava da história do computador. Agora ele passou a ser o segundo artigo da série.
Como eu decidi incluir nesta série vários artigos contando as histórias sobre computadores, linguagens de programação, técnicas, momentos e de como eu vivenciei tudo isso, achei muito oportuno escrever um artigo adicional explicando a causa de pessoas mais velhas adorarem expor suas experiências e vivências pessoais nas suas conversas e nos ensaios escritos.
Depois do primeiro artigo tratar da motivação para escrever esta série, este artigo conta de onde vem a motivação para contar histórias do nosso passado.
Eu falei nós, mas não sei como os outros dinossauros encaram estes momentos como eu costumo fazer, por isso, a partir de agora, vou falar em primeira pessoa, de como EU vivenciei tudo isso.
2 – Minha história na tecnologia e na programação
Eu tenho 62 anos, completados em dezembro passado. Sou um daqueles dinossauros da tecnologia e da programação, pois aprendi programação em 1980 e, antes disso, já era fascinado por tecnologia e acompanhava os lançamentos e a evolução desta área fantástica, que dava vida a todas aquelas coisas mostradas na ficção científica dos livros e filmes.
Pra começar, eu vou resgatar uma sequência do filme “Blade Runner- O Caçador de Andróides”, meu cult movie favorito, e o marcante texto de um monólogo falado por um replicante (androide) do filme.
"I've seen things you people wouldn't believe.
Attack ships on fire off the shoulder of Orion.
I watched c-beams glitter in the dark near the Tannhäuser Gate.
All those moments will be lost in time,
like tears in rain.
Time to die.”
Tradução livre, de minha autoria.
“Eu vi coisas que vocês, pessoas, não acreditariam.
Naves de ataque em chamas ao largo de Órion.
Eu vi raios-C brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser.
Todos esses momentos se perderão no tempo,
como lágrimas na chuva.
Hora de morrer.”
Este belo monólogo é chamado de “tears in rain” (lágrimas na chuva) e é uma sequência marcante do filme.
Basicamente, o que esse texto diz, eu acho, é que todas as memórias vistas e presenciadas por esse replicante seriam perdidas na hora em que ele morresse, ninguém mais teria acesso a elas. E que nenhum ser humano, de carne e osso, teve o privilégio de ver, presenciar ou vivenciar estas coisas fantásticas que ele vivenciou.
Não estou aqui querendo dizer que nós, dinossauros, escrevemos sobre histórias passadas para que elas não se percam quando a gente morrer. Esse era o caso do androide, no filme. No meu caso, eu vejo dois motivos principais:
· O primeiro, eu desejo compartilhar a minha vivência do momento em que vi essas coisas acontecerem. Quero tentar transmitir as minhas emoções de alegria, surpresa e encantamento por estar presente naquele momento em que cada acontecimento se deu;
· O segundo, tentarei mostrar, aos mais novos, que toda essa tecnologia que temos nas mãos hoje não foi criada do zero, agora. Tudo isso é decorrente de cada avanço tecnológico, científico ou acadêmico de coisas, objetos e técnicas criadas há dezenas, até centenas de anos no passado.
Essas coisas antigas, antiquadas, obsoletas, consideradas bizarras, às vezes, precisam ser valorizadas, resgatadas, como tijolinhos essenciais na construção dos fundamentos do mundo altamente tecnológico que temos hoje.
Muitos destes avanços ocorreram na minha frente, na minha carreira. E, para mim, eram avanços incríveis para a época!!!
Para contextualizar, eu vou contar uma história pessoal:
Em 1980, eu entrei na universidade (UFPB, na época, hoje, UFCG), no curso de Engenharia Elétrica, em Campina Grande-PB. No primeiro semestre, eu cursei a disciplina Introdução à Ciência da Computação (ICC), que ensinava a programar computadores. Essa disciplina me fez decidir cursar Computação também, no futuro.
A linguagem era FORTRAN, na sua versão inicial, ainda com os famigerados comandos GO TO. O computador era um mainframe IBM System 360, com entrada de dados por cartão perfurado e saída apenas em listagem da impressora. Não tinha monitor.
A gente digitava as instruções, uma em cada cartão, numa máquina perfuradora de cartões, do tamanho de um freezer atual, desses encontrados em bares. A máquina perfurava o cartão com uma instrução (isso mesmo! 1 instrução por cartão!) e a gente os colocava em sequência, um após o outro, como um baralho de cartas.
Depois, amarrava com uma borrachinha (daquelas de amarrar dinheiro em banco) para entregar no Núcleo de Processamento de Dados (NPD), para serem executados no computador.
Todos os programas (cada programa era chamado de “job”) rodavam em lote (“batch”), em determinadas horas do dia. Depois de 2 horas, a gente pegava a listagem do programa no NPD e voltava para a perfuradora, para corrigir erros de digitação. O programa nem tinha sido executado ainda, por causa dos erros.
A gente perfurava novamente um cartão para cada cartão errado, substituía os cartões com erros pelos cartões corrigidos, na sequência correta, e voltava ao NPD para entregar o programa de novo para rodar.
Depois de algumas sessões de correções, idas, espera e voltas, o programa era executado, afinal. O resultado poderia estar errado, devido a erros de lógica.
E a gente voltava para uma nova sessão de perfuração de cartões, para corrigir a lógica errada, esperava pela nova listagem, até que, em algum momento, o resultado da execução estava correto e a gente entregava a listagem ao professor, para avaliação e nota.
Essa era a saga de programar naquele tempo.
Voltei a usar programação no semestre seguinte, na disciplina de Cálculo Numérico, usando o mesmo esquema, só que agora a versão da linguagem tinha mudado para FORTRAN IV, rodando no mesmo mainframe.
Ao final do curso de Engenharia, eu fiz estágio no Instituto de Pesquisas espaciais (INPE), em São José dos Campos e conheci o melhor da tecnologia que se usava nas pesquisas do órgão. Fiquei maravilhado!!!
Logo após a graduação, entrei direto na pós-graduação. A gente agora programava em FORTRAN 77 (versão nova, de FORTRAN estruturado). Já havia os famosos terminais IBM de tela verde, interligados a um novo mainframe adquirido pela universidade (modelo IBM 4341) e a gente podia afinal, ver a magia acontecendo na frente dos nossos olhos!
Nessa época, eu tive contato com o primeiro IBM PC, que alguns professores tinham comprado para eles (não para a universidade) e, às vezes, deixavam a gente usar nas pesquisas (só por 1 ou 2 horas).
Eu também tive acesso a um computador de uma “filial” do INPE, dentro da universidade, cuja memória de imagem única me permitiu fazer pesquisas para a pós-graduação, programando em C, para programas de Computação Gráfica.
Nessa época, eu comprei o meu primeiro PC, um IBM Value Point, com processador 486-DX2.
Logo depois, em 1992, eu entrei no curso de Computação e comecei aprendendo a linguagem Pascal. Em casa, programava em Turbo Pascal, e em C e C++.
No ano seguinte, fui aprovado em um concurso para a empresa de Computação do Governo do Estado da Paraíba, onde trabalho até hoje. Fiquei lotado no Laboratório de Meteorologia, Recursos Hídricos e Sensoriamento Remoto da Paraíba (LMRS-PB), no mesmo prédio onde ficava o laboratório do INPE na UFPB.
No ano seguinte, fui fazer um treinamento no Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), em Cachoeira Paulista-SP, e conheci o supercomputador que havia lá.
No LMRS-PB, eu trabalhei com computadores pessoais, rede Novell, servidores Windows NT, Linux e estações de trabalho (“workstations”) Sun Sparc Station, com um terminal gráfico fantástico (para a época), rodando Unix puro.
Em 1995, eu desenvolvi e publiquei o site institucional do LMRS-PB, no início da web, na rede de alta velocidade da RNP, que interligava universidades e órgãos de pesquisa do Governo Federal. Em casa, eu acessava a web por meio de conexão discada, a 33 Kbps.
Resumindo, de 1980 até 1996, quando terminei o curso de Computação, eu passei da programação em FORTRAN, perfurando cartões em um mainframe, para um supercomputador do CPTEC, usando vários tipos de computador e várias linguagens de programação. Essas experiências me marcaram tão profundamente que eu vivo repetindo em conversas e textos.
As emoções que eu senti em cada um desses momento estão gravadas para sempre na minha memória e na minha formação.
Eu sei que descrevendo estes momentos para vocês não vai fazê-los reviver tudo o que eu passei, mas um pouco de esforço mental fará vocês sentirem a emoção que eu devo ter sentido em cada momento. E saber que cada momento dependia dos avanços feitos nos momentos anteriores.
Talvez a experiência mais impactante destas nem tenha sido quando entrei na sala do supercomputador do CPTEC (foi mágico! Parecia que eu estava olhando para HAL 9000, o computador do filme 2001 – Uma Odisseia no espaço!), ou quando entrei nas salas do INPE para começar meu estágio supervisionado (também foi mágico! Me senti um verdadeiro cientista da NASA!).
Na verdade, foi quando descobri, na primeira aula de ICC, que a universidade possuía um computador de grande porte e que eu teria acesso a ele, poderia criar meus próprios programas para rodarem nele. Na minha cabeça, era a ficção científica se tornando realidade!!
3 – Considerações finais
Este é o segundo artigo da série DIRETO AO PONTO, que eu estou escrevendo para a DIO. Ele vai tentar explicar por que nós, dinossauros da tecnologia, adoramos escrever sobre histórias antigas.
Quando eu decidi criar esta série, eu pensei em escrever artigos técnicos, para explicar aos devs iniciantes conceitos básicos da programação.
Depois, eu decidi também escrever alguns artigos sobre a história da programação e da tecnologia que a acompanhava, de como viemos parar aqui, hoje.
Neste artigo, primeiro, eu falei da minha motivação para contar essas histórias antigas.
Depois, descrevi a minha história com a tecnologia (e programação) desde a entrada na universidade até hoje. A ideia era mostrar como era a tecnologia em cada momento da minha carreira e descrever como todos estes momentos foram importantes para a minha jornada até aqui, me deliciando com o que encontrava e vibrando com as evoluções que ocorriam.
Eu não sei se consegui passar para vocês toda a emoção de cada momento desses que eu vivenciei. Falar sobre eles me traz de volta todas as emoções que eu senti quando os vivenciei. Pelo menos, devo ter passado a importância de cada um deles na construção da tecnologia que temos hoje!
De qualquer forma, eu me senti como se fosse Fábio Akita falando nos seus vídeos sobre como era a tecnologia no passado, contextualizando para chegar a como é hoje. Eu escrevi como se estivesse numa mesa de bar, batendo papo com amigos, cada um contando suas histórias. Foi ótimo!!!
Por isso, eu gosto de relembrar estes momentos e valorizar cada um deles.
Os erros de digitação nos cartões perfurados foram importantes para a minha formação (bem como foram importantes para chegarmos nos monitores, teclados, mouse, etc.), os disquetes foram importantes para chegarmos nos pendrives, os HDs para chegarmos nos SSDs.
A linguagem FORTRAN, com GO TO, foi importante para chegarmos ao Java e Python; o acesso discado foi importante para chegarmos à banda larga e assim por diante. E eu vi tudo isso acontecendo na minha frente!
Resumindo tudo isso, eu considero extremamente importante qualquer tecnologia do passado na construção das tecnologias atuais.
E me sinto privilegiado por ter vivenciado tudo isso e ver como cada coisa foi evoluindo até chegar ao que temos de avançado hoje.
Por isso, valorizo tanto a história da tecnologia e da programação.
As minhas filhas, e vocês, mais jovens, vão poder contar essa mesma história, daquilo que vivenciaram a partir dos anos 2000 e além!!! E vão ver como vivenciaram o futuro se fazendo a partir das coisas mais velhas!
Para finalizar, 3 recomendações:
· Assistam ao filme Blade Runner, O Caçador de Androides, de 1982, dirigido por Ridley Scott;
· Leiam o livro em que se baseou o filme, “Androides sonham com ovelhas elétricas?” (“Do androids dream of electric sheep?”), de Philip K. Dick;
· Ouçam a belíssima trilha sonora do filme, do compositor grego Vangelis;
· Assistam à continuação do filme original, “Blade Runner 2049”, de 2017, dirigido por Dennis Villeneuve.
4 – Referências
Sem referências, tudo está na minha cabeça.
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