Quando o coração do sistema muda de casa o verdadeiro desfio de migrar um core pra nuvem
Quando o coração do sistema muda de casa: o verdadeiro desafio de migrar um core banking para a nuvem
A transformação digital deixou de ser tendência e se tornou inevitável. Nos últimos anos, a pressão competitiva, o avanço das fintechs e a demanda por experiências digitais mais rápidas e acessíveis obrigaram bancos tradicionais a revisitar suas próprias fundações tecnológicas. No centro desse movimento está a migração de sistemas core banking para arquiteturas cloud native, um processo que promete velocidade, escalabilidade e redução de custos. Porém, a pergunta que muitos fazem é: será mesmo que o maior desafio dessa transição é o custo operacional
Essa questão, aparentemente simples, abre uma porta ampla para discutir algo muito mais profundo. Quando analisamos a migração de um core banking, percebemos que o custo, na verdade, é apenas um detalhe. O verdadeiro desafio envolve segurança, conformidade regulatória, arquitetura distribuída e, sobretudo, cultura. Migrar para a nuvem é mais do que mover cargas de trabalho, é mover mentalidades.
Este artigo nasce de uma reflexão provocada pela própria comunidade da DIO. A partir da pergunta sobre o maior desafio da migração de core banking, decidi aprofundar o tema com um olhar humano e técnico, mantendo a humildade de quem está sempre aprendendo, mas sem abrir mão da profundidade que o assunto exige.
Meu objetivo aqui é apresentar um panorama claro, responsável e acessível para quem está estudando Engenharia de Software, para profissionais experientes que acompanham a evolução do setor e para qualquer pessoa que se interessa por sistemas críticos, arquitetura distribuída e o impacto social da tecnologia.
Um breve histórico da infraestrutura bancária e a origem do problema
Para compreender por que migrar um core banking é tão complexo, precisamos voltar algumas décadas. Os grandes sistemas bancários nasceram em ambientes completamente diferentes dos de hoje. Foram construídos em plataformas monolíticas, executados em mainframes, escritos em linguagens como COBOL e executando operações críticas em lotes durante a madrugada.
Esses sistemas nasceram com um propósito claro: estabilidade absoluta. A lógica era simples. Quanto menos mudanças, menos risco. Em um tempo em que segurança cibernética ainda engatinhava e regulamentações eram menos relacionadas ao digital, manter o sistema estático era, muitas vezes, a melhor maneira de protegê-lo.
Com o tempo, porém, a sociedade mudou. O banco deixou de ser um lugar físico e tornou-se um serviço digital sempre disponível. Não existe mais “horário bancário”, assim como não existe mais espaço para interrupções de manutenção prolongadas. O mundo se tornou instantâneo e o usuário passou a exigir o mesmo da tecnologia financeira.
A chegada das fintechs agravou o cenário. Empresas jovens, sem o peso de décadas de legado, criaram soluções nativas em nuvem, rápidas e eficientes. Os bancos tradicionais perceberam que, se continuassem presos a suas estruturas monolíticas, iriam perder competitividade. Começou então a corrida pela modernização.
O problema é que substituir o coração de um banco não é como trocar o motor de um carro estacionado. É como trocar o motor de um avião em pleno voo, com milhões de pessoas a bordo e com múltiplas agências reguladoras observando cada movimento.
Por isso, o maior desafio dessa migração nunca foi e nunca será o custo.
Segurança, o valor inegociável
Quando falamos de sistemas bancários, falamos diretamente de confiança. Um banco é tão forte quanto a confiança que o público deposita nele. E essa confiança repousa sobre um princípio essencial: segurança. Sem segurança, não há banco, não há negócio, não há ecossistema financeiro.
Ao migrar um core banking para a nuvem, a primeira responsabilidade de qualquer equipe técnica é garantir que o ambiente seja mais seguro do que antes, não igual, e jamais pior. Isso é algo exigido pelos clientes, pelas instituições reguladoras e pelo próprio senso ético de quem trabalha com tecnologia.
A segurança, porém, deixa de ser um conjunto de mecanismos isolados e passa a ser uma postura de engenharia. Não basta proteger o perímetro, é preciso proteger cada camada. Não basta criptografar, é preciso monitorar. Não basta ter firewalls, é preciso ter governança. Não basta lidar com risco, é preciso antecipá-lo.
Na nuvem, esse cenário se complexifica. A superfície de ataque cresce. O ambiente é distribuído. Os serviços são imutáveis. A automação é crítica. A autenticação precisa ser forte, granular e contextual. O modelo zero trust deixa de ser conceito e se torna necessidade. Os logs precisam ser contínuos, detalhados, centralizados e auditáveis.
A pergunta real é: como garantir tudo isso enquanto se move um dos sistemas mais sensíveis da economia para uma arquitetura completamente nova
É aí que percebemos a profundidade da migração. Não é copiar e colar. Não é escalar um botão. Não é subir imagens em containers e torcer para dar certo.
Migrar com segurança exige maturidade, experiência, padrões rigorosos e um compromisso ético. Envolve trabalhar com criptografia ponta a ponta, segmentação de workloads críticos, políticas de acesso baseadas em identidade, observabilidade avançada e processos de resposta a incidentes integrados diretamente à arquitetura.
Conformidade regulatória e o peso das obrigações legais
Se a segurança representa a ética técnica, a conformidade regulatória representa a responsabilidade jurídica e institucional. Em sistemas financeiros, regulamentações como Basileia, PCI DSS, LGPD e normas do Banco Central definem padrões que não podem ser ignorados ou flexibilizados. São exigências estruturais que protegem o consumidor, garantem a integridade do sistema financeiro e asseguram que as instituições operem com transparência e previsibilidade.
Para uma equipe técnica, isso significa que cada serviço em nuvem precisa não só ser eficiente, mas estar em conformidade com regras que nem sempre foram criadas pensando em ambientes cloud native. Traduzir essas normas exige um enorme trabalho interpretativo e técnico.
Por exemplo: quando a regulamentação diz que um determinado tipo de dado não pode sair do território nacional, isso não é algo opcional. A arquitetura precisa refletir essa limitação. A escolha do provedor de nuvem, a política de replicação, a forma como backups são armazenados e até como logs são distribuídos precisam obedecer ao mesmo princípio.
Quando a regulamentação exige rastreabilidade, isso implica que os logs precisam ser padronizados e armazenados de maneira segura e imutável. Isso também não é opcional.
Quando a norma exige segregação de ambientes, é necessário criar limites rígidos de rede, permissões explícitas e monitoramento constante, garantindo que workloads críticos não compartilhem espaço com serviços não essenciais.
Em outras palavras, conformidade não é um documento, é uma arquitetura. E essa arquitetura precisa ser não apenas funcional, mas auditável, previsível, testável e coerente com exigências que podem mudar a qualquer momento.
Migrar um core banking para a nuvem significa implementar controles que traduzam regulamentação em engenharia. É nesse ponto que muitos projetos falham, porque não basta conhecer tecnologia, é preciso conhecer também a lei, a ética e o impacto social das decisões de arquitetura.
Arquitetura cloud native, o equilíbrio entre agilidade e responsabilidade
O próximo desafio está na própria estrutura técnica da transformação. Ambientes cloud native não funcionam como sistemas monolíticos. Eles são distribuídos, dinâmicos e alinhados com princípios de automação, imutabilidade e escalabilidade horizontal.
Para bancos, isso é revolucionário. Uma arquitetura distribuída permite evoluir serviços de forma independente, escalar apenas o que é necessário e responder rapidamente a picos de demanda. Porém, essa liberdade traz consigo novas responsabilidades.
O desenvolvedor precisa lidar com padrões como microsserviços, comunicação assíncrona, mensageria, esteiras de CI e CD, infraestrutura como código e políticas declarativas. Precisa garantir que cada serviço seja resiliente, tolerante a falhas, observável e rastreável. Precisa pensar em versionamento, rollback seguro, deploy canário, testes automatizados e controle granular de permissões.
O fato de cada serviço ser pequeno não reduz a complexidade. Pelo contrário, multiplica-a. Em um monólito, a complexidade se concentra em um único lugar. Em uma arquitetura cloud native, ela se distribui por todo o ecossistema. E manter coerência arquitetural torna-se um desafio gigantesco.
Um core banking precisa lidar com transações idempotentes, consistência forte ou eventual dependendo do caso de uso, reconciliação financeira e compensações em caso de falhas. Em uma arquitetura distribuída, essas questões não desaparecem. Tornam-se mais complexas.
Se antes uma transação acontecia dentro de uma única base de dados centralizada, agora envolve múltiplos serviços que precisam atuar em harmonia para garantir que nenhum centavo se perca e que nenhum débito seja duplicado.
O componente humano, o elo que decide o sucesso da migração
No fim, nenhuma tecnologia funciona sem pessoas. E aqui talvez esteja o maior desafio de todos: cultura.
Por décadas, muitos bancos cresceram em ambientes onde estabilidade significava imobilidade. Mudar significava correr riscos. A mentalidade predominante era proteger o ambiente de qualquer alteração, mesmo que fosse para melhor. Migrar para cloud native exige exatamente o oposto: mudar com responsabilidade, mas mudar continuamente.
Isso significa quebrar silos, colaborar entre times, documentar processos, compartilhar conhecimento, automatizar o que antes era manual e adotar uma cultura verdadeira de DevSecOps. O desenvolvedor deixa de ser apenas quem escreve código. Ele passa a ser parte de um ecossistema de engenharia onde segurança, observabilidade e confiabilidade são responsabilidades compartilhadas.
Migrar um core banking exige desaprender práticas antigas e adotar novos padrões. Exige humildade para reconhecer que não sabemos tudo e coragem para aprender o que for necessário. Exige empatia para trabalhar em equipe e responsabilidade para proteger milhões de pessoas que dependem de um sistema financeiro saudável e seguro.
É aqui que percebemos que a transformação digital é, antes de tudo, transformação humana.
Conclusão: não é uma migração, é um compromisso
Quando analisamos todos esses fatores, percebemos por que a pergunta original é tão importante. A migração de um core banking não é um movimento motivado por custo, mas por responsabilidade. É um processo que coloca em jogo segurança, regulamentações, arquitetura e cultura, tudo ao mesmo tempo.
Migrar para a nuvem não é mover sistemas, é redefinir como pensamos tecnologia. É assumir que velocidade não pode existir sem segurança. É entender que conformidade não é burocracia, mas proteção ao usuário. É reconhecer que a arquitetura moderna precisa ser tanto eficiente quanto ética. É perceber que nenhum avanço técnico é maior que a necessidade de respeito e confiança que o usuário deposita no sistema financeiro.
Migrar é assumir compromisso. E compromisso exige maturidade.
Convite final
Se este artigo ajudou você a enxergar a migração de core banking de forma mais profunda e humana, eu te convido a continuar estudando, debatendo e aprimorando seu olhar sobre engenharia de software. Busque compreender não apenas as tecnologias, mas as pessoas, as responsabilidades e o impacto social das decisões que tomamos como desenvolvedores.
Marcio Gil, Embaixador da Turma 14 do DIO Campus Expert, Estudante do 5° de Engenharia de Software.
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