UFCG – O boi que virou BINGO
Sumário
1. Introdução
2. Campina Grande
3. A POLI
4. A UFPB – Campus II
5. A UFCG
6. Considerações finais
7. Referências
1 – Introdução
Eu nasci em 1961, em Campina Grande, município do interior do estado da Paraíba que fica a 130 quilômetros da capital, João Pessoa.Além de ser o palco atual do chamado “Maior São João do Mundo”, a cidade é referência em tecnologia.
Isso começou em 1958, quando lá foi instalado o primeiro computador do Norte e Nordeste do Brasil, o terceiro mainframe do país na época.
Eu cursei a universidade em Campina Grande, me graduando em Engenharia Elétrica e em Ciências da Computação. Estes dois cursos sempre foram muito bem avaliados pela CAPES e ainda são, atualmente.
Por conta desse destaque em tecnologia, em 2001, Campina foi selecionada como uma das 9 “Tech Cities” do mundo, por uma renomada revista americana.
Este artigo vai contar a história de como a cidade conquistou essa relevância na área de tecnologia e como ela perdura até hoje. Eu também falo da minha presença lá ao longo dos anos.
2 – Campina Grande
GLOBO.COM/G1 ( [1] RESENDE, [2] Wikipedia )
Campina Grande foi fundada em 1697 e virou cidade em 1864.
No início do século XX, o algodão foi responsável pelo crescimento de Campina, atraindo comerciantes de todas as regiões do estado da Paraíba e de todo o Nordeste. Ela era a única cidade do interior do Brasil a possuir uma máquina de beneficiamento de algodão, a matéria prima necessária para a produção que vinha de cidades produtoras vizinhas. Na década de 1940, a cidade foi a principal produtora de algodão do Brasil.
A segunda Guerra Mundial desorganizou a produção de algodão da Europa e, até a década de 40, Campina Grande era a segunda maior exportadora de algodão do mundo, atrás somente de Liverpool, na Inglaterra.
Vendo a necessidade de investir na formação da população de Campina, um grupo se juntou para planejar a construção da primeira instituição de ensino superior da cidade. Entre os que formavam o grupo estava Linaldo Cavalcanti de Albuquerque, um engenheiro.
Assim, foi criada a escola Politécnica da Paraíba (Poli), que depois passou a fazer parte da UFPB e, finalmente, virou a UFCG.
Estas 3 instituições formaram um legado de destaque em tecnologia para a cidade de Campina Grande.
Por conta desse destaque, Campina foi selecionada como uma das 9 “Tech Cities” do mundo, pela Revista Newsweek, na edição de abril de 2001, que representavam um novo modelo de Centro Tecnológico. As outras 8 cidades escolhidas pela revista Newsweek foram: Akron, Huntsville, Oakland, Omaha e Tulsa (todas nos EUA), Barcelona (Espanha), Suzhou (China) e Côte d'Azur (França).
Segundo a revista Newsweek, o motivo para o sucesso foi a UFPB, Campus II (que se tornou UFCG em 2002). Desde 1967, quando os acadêmicos conseguiram apoio para comprar o primeiro computador do nordeste, um mainframe IBM de US$ 500 mil, criou-se uma tradição na área de computação que hoje tem reconhecimento em todo o mundo.
Em 2003, mais uma menção foi feita à cidade: desta vez referenciada como o "Vale do Silício brasileiro”, por causa das pesquisas envolvendo o algodão colorido ecologicamente correto e da tecnologia high tech.
“Se não fosse a Escola Politécnica da Paraíba, Campina seria igual a qualquer outra cidade pequena do interior do Nordeste.
3 – A POLI – Escola Politécnica da Paraíba
GLOBO.COM/G1 ( [1] RESENDE, [2] Wikipedia )
Em 1952, o grupo liderado por Linaldo Cavalcanti deu início à construção da Escola Politécnica da Paraíba (POLI), que começou a funcionar em 1954.
Após 11 anos, em 1964, Linaldo Cavalcanti assumiu a gestão da POLI. Ele ampliou os cursos existentes, criando Engenharia Elétrica, Engenharia Civil e pós-graduação nas duas áreas.
Linaldo queria uma POLI com qualidade competitiva com as principais instituições do Sudeste e decidiu comprar um computador, muito caro naquela época.
Em 1967, em plena ditadura militar, a POLI já era considerada uma parte da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), que ficava em João Pessoa. Linaldo propôs a aquisição ao então reitor da UFPB, um interventor militar, que também era professor da escola de Medicina.
Ele respondeu que a UFPB não precisava de computador, que era uma megalomania, e que se fosse comprar um, deveria ser instalado no Campus I, na capital, não no interior.
Linaldo persistiu com a ideia, reuniu o mesmo grupo da criação da POLI e se juntou com a comunidade acadêmica de Campina Grande para planejar como financiar a aquisição do computador.
Eles criaram uma instituição privada (Associação Técnica e Científica Ernesto Luís - ATECEL) com o único objetivo de viabilizar essa compra, evitando qualquer tipo de ingerência da UFPB.
A sociedade campinense comprou a ideia. Logo a comunidade conseguiu um Fusca e fez uma rifa. Depois, foi doado um boi (o boi do título!), também rifado (rifa, não foi um bingo). Venderam tudo no comércio, pois os comerciantes apoiaram o projeto, acreditando que a POLI, a ciência e a tecnologia levariam ao desenvolvimento local.
E deu tudo certo! Em 1968, foi instalado na POLI o primeiro computador das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Era um mainframe, modelo IBM 1130, apenas o terceiro mainframe a ser instalado no Brasil.
Ele tinha uma capacidade de cálculo equivalente às primeiras calculadoras de bolso, mas ele significou um grande avanço no conhecimento dos estudantes da POLI.
No período em que o computador foi instalado, a área da Ciência da Computação ainda engatinhava. O computador foi fundamental para que a cidade evoluísse.
A Escola Politécnica foi extinta em 1977, quando se tornou oficialmente o Campus II da UFPB. Ela foi a grande responsável por transformar a cidade de Campina Grande em um polo de ensino superior no interior do Nordeste. A partir dela, a cidade passou a ter uma alternativa de ser uma cidade desenvolvida.
OBS. - E onde estava eu nesse momento? Não estava! Em 1977, com 15 anos, eu ainda não tinha entrado na universidade, estava cursando o 2º Grau, em um colégio da cidade. Mas já conhecia várias pessoas que tinham estudado e se graduado na POLI, em Medicina e nas Engenharias.
3 – A UFPB – Campus II
DADOS & IDEIAS
Após se tornar oficialmente parte da UFPB, em 1977, como o Campus II, a universidade aumentou muito a sua oferta de cursos. No início da década de 80, já havia diversas Engenharias (Elétrica, Civil, Mecânica, Química, de Produção), Arquitetura e Urbanismo, Medicina, Desenho Industrial, Administração, Economia, vários Bacharelados, além de diversos programas de Mestrado e Doutorado em grande parte dos cursos.
O computador ainda era o IBM 1130, que não tinha terminais para os alunos programarem, apenas perfuradoras de cartões, mas em 1984 ele foi trocado por um mainframe de uma versão mais nova, o IBM 4341, que já tinha terminais compartilhados, com telas textuais verdes monocromáticas.
Na década de 80 foi criado o Parque Tecnológico da Paraíba, uma incubadora de empresas iniciantes e startups na área de tecnologia, até que elas pudessem caminhar sozinhas. Era o elo entre a criação da universidade e a indústria.
A ideia da criação destas empresas era facilitar a industrialização e comercialização de produtos que eram frutos de pesquisas, de dissertações e teses de Mestrado e Doutorado, pois a universidade não tinha as condições nem agilidade de entregar produtos em escala industrial.
Muitas delas tinham professores da própria universidade por trás, como idealizadores, diretores, diretores técnicos, consultores etc. Era comum alunos da universidade trabalharem nelas, seja de graduação ou de pós-graduação.
Várias se destacaram após saírem da fase de incubação, com seus produtos sendo comercializados para todo o Brasil e o mundo. Alguns destaques são:
- Iteel (Instituto de Tecnologia Eletro-Eletrônica) - criou um microcomputador Camaçari, para aplicações industriais, depois industrializado pela Calcom Informática, além de produtos de processamento de áudio;
- Apel (Aplicações Eletrônicas) - sistema (Mousike) para transmitir simultaneamente outros sinais (música) além de voz em linhas telefônicas, equipamentos para emissoras de rádio (mesas de som, equalizadores, mixers);
- Datashop - Primeira software-house de Campina Grande, desenvolvendo sistemas administrativos para microcomputadores, contas a pagar e receber, clientes Prológica, Dismac e Gradiente;
- Infosoft - desenvolvedora de softwares para sistemas Unix, depois mudou o nome para Light Infocon e criou o banco de dados textual multimídia Lightbase, com clientes no mundo todo. A empresa ainda está ativa.
Além de se beneficiarem da proximidade do CCT, as empresas também contratavam técnicos formados na Escola Técnica Redentorista, que oferecia cursos técnicos de Eletrônica e Telefonia.
Na década de 1980, Campina se firmou como produtora de tecnologia em software e de programação.
Em 2002, o Campus II virou a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
OBS. - E onde eu estava? Bem, eu passei no Vestibular e iniciei o meu curso de Engenharia Elétrica na UFPB em 1980. Eu fui monitor em todos os semestres, recebi bolsa de pesquisa do CNPq, joguei basquete pelo time do curso e pela universidade, em campeonatos universitários.
Em 1992, já graduado em Elétrica e com Especialização, mas ainda apaixonado por programação, fiz outro vestibular e entrei no curso de Ciências da Computação, também na mesma universidade. Também joguei basquete pelo time do curso e continuei a jogar pela universidade.
Em 1993, passei em um concurso para trabalhar na empresa de Computação do Governo do Estado, a CODATA, para uma vaga no LMRS-PB, núcleo estadual da PB no programa nacional de Monitoramento do Tempo e Clima, ligado ao INPE, que ficava dentro do campus da universidade. Aí, passei a trabalhar e fazer o curso de Computação.
Na verdade, antes de 1980, eu já tinha entrado na UFPB. Em 1979, ainda aluno do 3º Ano do 2º Grau, destacado em Matemática e Física, eu fui convidado pelo professor de Física para participar, como ouvinte, de um evento que iria ocorrer na UFPB. Era a 1ª Semana de Energia Nuclear, promovida pela Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN. E lá estava eu, um adolescente no meio de professores, universitários e cientistas do mundo todo, apresentando artigos técnicos que eu tentava acompanhar (pelo menos as figurinhas). Me senti um verdadeiro cientista!!!!!
FIGURA REVISTA E CERTIFICADO
4 – A UFCG
Em 2002, o Campus II da UFPB se tornou autônoma e virou a UFCG. A sede é em Campina e ela possui vários campi espalhados em 6 municípios do interior.
A maior oferta de cursos se dá em Campina, cursos com várias Engenharias (Elétrica, Civil, Mecânica, Química, de Produção), Arquitetura e Urbanismo, Medicina, Design, Administração, Economia, várias Licenciaturas e Bacharelados, além de diversos programas de Mestrado e Doutorado em grande parte dos cursos. Em geral, os campi menores oferecem cursos focados nas necessidades regionais (como educação, agronomia, saúde e tecnologia).
A UFCG mantém parcerias com empresas nacionais e internacionais, via cooperação em projetos de pesquisa, desenvolvimento de tecnologia, suporte laboratorial, estágios e bolsas acadêmicas. Algumas parcerias se dão por leis de incentivo à pesquisa (Lei da Informática, EMBRAPII etc.), com empresas como: Positivo, Chesf, Petrobrás, Eletrobrás, Nokia, ASUS, Dell, Ericsson, HP, Samsung, WEG etc.
Os principais órgãos da UFCG que mantém parcerias são:
- CEEI – Centro de Engenharia Elétrica e Informática – Para projetos P&D, inovação tecnológica, bolsas de pesquisa e execução de soluções aplicadas;
- Laboratórios “Embedded Lab” e VIRTUS - Facilitam parcerias com empresas internacionais nas áreas de: IoT, computação pervasiva, sistemas embarcados, automação industrial, redes e telecomunicações e hardware inteligente.
O VIRTUS é um órgão suplementar da UFCG, focado em tecnologia aplicada, que conecta universidade, indústria, startups e profissionais e é credenciado como Centro de Competência EMBRAPII – Intelligent Hardware for Industry, um dos poucos centros especializados no país nessa área.
Essa parceria com empresas renomadas resulta na contratação regular de talentos egressos da UFCG para empresas globais.
Desde quando fazia parte da UFPB, a UFCG sempre foi muito bem avaliada entre as instituições de ensino superior do Brasil, principalmente os cursos de Engenharia Elétrica e Ciências da Computação, tanto na graduação como na pós-graduação.
Na última avaliação da CAPES para as pós-graduações (2017-2020):
- Engenharia Elétrica – nível 7 (máximo, excelência internacional);
- Computação – nível 4 (bom, adequado).
Na última avaliação (novembro de 2025) do RUF (Ranking Universitário Folha), elaborado pela Folha de São Paulo anualmente para os cursos de graduação nacionais:
- Computação – posição 21 (entre mais de 600 cursos avaliados);
- Engenharia Elétrica – posição 12 (entre mais de 400 cursos avaliados).
BINGO
O Telescópio BINGO (esse é o BINGO do título do artigo!) é um radiotelescópio projetado para realizar a primeira detecção de Oscilações Acústicas Bariônicas (BAO – “Baryon Acoustic Oscillations”). Essas ondas são geradas pela interação entre átomos e radiação no Universo primordial e podem ser monitoradas na faixa de radiofrequência.
O seu objetivo é medir a expansão do Universo e estudar a energia escura. Tecnicamente, ele captará a radiação do hidrogênio, podendo indicar a distribuição de galáxias logo após o Big Bang.
Ele será um dos primeiros do mundo a estudar cosmologia e astrofísica usando a faixa de rádio, inaugurando uma nova janela de observações do universo.
BINGO é a sigla de “BAOs from Integrated Neutral Gas Observations”, ou "Oscilações Acústicas Bariônicas de Observações Integradas de Gás Neutro".
Com liderança do Brasil e tecnologia predominantemente nacional (USP, INPE e UFCG), oprojeto do BINGO é uma cooperação internacional entre vários países, liderado pelo Brasil e a China, incluindo também França, Reino Unido e África do Sul e outros.
O telescópio está sendo instalado no município de Aguiar, na Paraíba. A escolha da cidade de Aguiar se deve às características ideais do local: uma região com baixíssimo nível de interferência eletromagnética, sem cobertura de sinal de celular nem rotas aéreas próximas.
Entre as instituições participantes desse projeto, está a UFCG, na pessoa do professor João Rafael, da Unidade Acadêmica de Física da UFCG, um dos envolvidos com o projeto, líder do estágio de Outreach da colaboração BINGO.
Computador Quântico
Como se não bastasse a instalação do BINGO na Paraíba, recentemente foi assinada uma parceria entre o Governo do Estado da Paraíba e o Governo Federal, por meio da Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), para a criação do primeiro Centro Internacional de Computação Quântica do Brasil, que será construído na Paraíba.
A empresa chinesa de tecnologia CETC será responsável pela viabilização do projeto, que prevê a aquisição de um computador quântico, com transferência de tecnologia e formação de pessoal especializado.
O início da implantação está previsto para o primeiro semestre de 2026. O projeto conta com investimentos de R$ 75 milhões.
Segundo o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior (SECTIES), Cláudio Furtado, o centro terá três eixos de atuação:
• desenvolvimento de cálculos avançados;
• transferência tecnológica;
• formação de recursos humanos com a vinda de pesquisadores internacionais e criação de um polo de conhecimento na área.
O espaço também deverá ter infraestrutura para visitação e apoio ao processamento de dados do Radiotelescópio BINGO, já em fase de instalação.
OBS. - E eu nessa na UFCG? Não estou mais lá, nem morando em campina (moro hoje em João Pessoa), mas como um campinense bairrista, vibro com cada conquista de lá e com meus colegas, professores e alunos que fazem parte da UFCG.
5 – Considerações finais
Eu nasci em Campina Grande, cidade do interior da Paraíba, muito conhecida atualmente pelas suas festas juninas, o chamado “Maior São João do Mundo”, que ocorre todo ano no mês de junho.
No passado, a cidade era famosa pelo seu comércio de algodão, chegando a ser o maior produtor de algodão do Brasil e um dos maiores do mundo.
No entanto, desde a década de 50, Campina passou a se destacar na área de tecnologia. Isso começou com a compra do primeiro computador do Norte e Nordeste do Brasil, o terceiro do país, para a primeira instituição de ensino superior da cidade, a POLI, um mainframe IBM 1130.
Para a compra desse computador, foi até rifado um boi para ajudar a juntar os recursos.
Após alguns anos, a POLI se tornou parte da UFPB (Campus II) e continuou a se destacar na área de tecnologia, com vários cursos (de graduação, Mestrado e Doutorado) recebendo nota máxima nas avaliações nacionais.
Em 2002, a universidade ganhou sua autonomia, se tornando a UFCG. Aí, vieram grandes conquistas como o Laboratório VIRTUA, o BBINGO e o Computador Quântico.
Este artigo resgatou a história do sucesso da cidade de Campina Grande na área de tecnologia, desde o primeiro computador da POLI até a participação da UFCG em grandes projetos globais na área.
No meio dessa história, eu pontuei a minha participação como aluno da UFCG, observador e figurante da paisagem da universidade nestes momentos.
E você? Conhece a história da sua universidade? Vibra com as conquistas dela? lembra das suas histórias com seus colegas, professores, disciplinas? Pois aproveite e conte aqui em um artigo. Eu vou adorar ler!!!
6 – Referências
[1] RESENDE, André. Referência na tecnologia, Campina Grande teve 1º computador do Norte e Nordeste do Brasil. Disponível em: https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2019/10/11/referencia-na-tecnologia-campina-grande-teve-1o-computador-do-norte-e-nordeste-do-brasil.ghtml. Acesso em: 17/11/2025.
[2] Wikipedia. Campina Grande. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Campina_Grande>. Acesso em: 17/11/2025



