Ser um aluno com TDAH na indústria de tecnologia
Por Delnei – Turma 12 do DIO Campus Expert
Vivemos uma era em que a tecnologia molda o presente e projeta o futuro. Para muita gente, entrar nesse universo é sinônimo de inovação, criatividade e resolução de problemas. Mas quando você vive com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), esse caminho pode ser bem diferente — e às vezes, mais difícil do que as pessoas imaginam.
Sou aluno de tecnologia e tenho TDAH. E se tem uma coisa que aprendi nessa jornada, é que o jeito como nosso cérebro funciona pode parecer um obstáculo... mas também pode ser uma força única. Neste artigo, quero compartilhar como tem sido essa caminhada para mim: os tropeços, as adaptações e o que venho descobrindo sobre mim mesmo nesse processo.
O TDAH é um transtorno que afeta funções executivas como foco, organização e controle de impulsos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4% dos adultos no mundo têm TDAH e muitos nem sabem.
No meu caso, sempre senti que havia algo de “diferente” na forma como eu aprendo e faço as coisas. E isso ficou ainda mais evidente quando entrei na área tech, que exige concentração intensa, resolução lógica de problemas e uma certa agilidade mental. Nem sempre é fácil equilibrar isso com a mente inquieta e dispersa que o TDAH traz. Às vezes, parece que estou lutando contra mim mesmo.
Durante os estudos, muitos momentos foram desanimadores. Me distraía com facilidade, pulava etapas importantes, perdia prazos. Ler uma documentação longa ou seguir tutoriais cheios de passos me deixava exausto mentalmente. E o pior: a procrastinação me fazia sentir preguiçoso ou desorganizado, quando na verdade, era o TDAH bagunçando meu ritmo interno.
O psicólogo Russell Barkley (2010), uma das maiores autoridades no assunto, fala sobre isso de forma clara: o problema não é falta de vontade, e sim uma dificuldade real de iniciar e manter o foco em tarefas que exigem esforço constante. E essa foi uma das maiores lições que aprendi parar de me culpar e começar a me entender.
Mas nem tudo são dificuldades. O TDAH também me deu algo que valorizo muito: hiperfoco. Quando encontro um assunto que realmente me interessa como programação, automação ou dados posso passar horas mergulhado naquilo, sem perceber o tempo. Já cheguei a perder refeições e compromissos por estar tão concentrado em resolver um problema de código.
Esse estado de fluxo me faz sentir produtivo, inteligente, motivado. É uma das maiores forças que tenho, e percebo que muitos devs com TDAH também compartilham disso. É um superpoder, quando bem canalizado.
Com o tempo, fui testando formas de lidar com as dificuldades. Algumas deram muito certo e hoje fazem parte da minha rotina:
- Dividir tarefas grandes em etapas pequenas usando a técnica Pomodoro;
- Usar o Trello e o Notion para organizar visualmente o que preciso fazer;
- Criar blocos de tempo com rotina definida (estudo, pausa, foco);
- Evitar distrações no ambiente (celular longe, fones com white noise);
- Participar de comunidades como a DIO, onde me sinto parte de algo maior.
Essas estratégias são recomendadas por especialistas como Ramsay e Rostain (2015), que trabalham com adultos com TDAH. Mas, mais do que tudo, funcionam porque se encaixaram no meu jeito de ser e isso é o mais importante.
Fico feliz em ver que, cada vez mais, empresas de tecnologia estão valorizando a neurodiversidade ou seja, a ideia de que cérebros diferentes têm valor. Microsoft e SAP, por exemplo, já têm programas voltados para contratar e apoiar pessoas neurodivergentes, incluindo quem tem TDAH.
Isso mostra que não estamos sozinhos. Que há espaço, sim, para mentes como a minha. Que podemos contribuir com ideias novas, com formas únicas de resolver problemas. Isso me motiva a continuar.
Eu demorei para entender o que era o TDAH na minha vida. Por muito tempo, achei que o problema era comigo. Só depois que vi outras pessoas falando abertamente, é que comecei a me reconhecer nelas. Por isso, acredito que compartilhar esse tipo de experiência é essencial. Para que outras pessoas com TDAH saibam que elas não estão quebradas só funcionam diferente.
A DIO tem feito parte dessa virada para mim. Os bootcamps, os desafios práticos, a estrutura de aprendizado que respeita diferentes ritmos tudo isso ajuda muito. E mais: estar em uma comunidade que compartilha, apoia e celebra as pequenas vitórias me dá gás para seguir.
Ter TDAH e querer trabalhar com tecnologia é, sim, desafiador. Mas também é incrível. A gente aprende a se conhecer, a criar estratégias, a buscar apoio e, principalmente, a se valorizar. Hoje, vejo meu TDAH não como um inimigo, mas como parte do que me torna único.
Afinal, a tecnologia está aqui para resolver problemas. E quem melhor para fazer isso do que alguém que lida todos os dias com os próprios bugs internos?
Referências
- Barkley, R. A. (2010). Taking Charge of Adult ADHD. Guilford Press.
- Ramsay, J. R., & Rostain, A. L. (2015). Cognitive Behavioral Therapy for Adult ADHD: An Integrative Psychosocial and Medical Approach. Routledge.
- Organização Mundial da Saúde. (2022). Mental Health: Attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD).
- Microsoft. (2023). Neurodiversity Hiring Program.
- SAP. (2022). Autism at Work Program.