Talvez eu seja uma farsa (Mas fui promovida)
De onde vim e onde estou
Eu me chamo Paloma e tenho 32 anos — e já sinto o peso de falar a minha idade, porque ONTEM eu tinha 20. Atualmente, trabalho na área de tecnologia. Estudo inglês. Estou na reta final da minha pós-graduação em Engenharia de Software. Sei o que vou fazer e estudar a seguir, e tenho uma meta profissional muito bem estruturada — pelo menos na minha cabeça.
Mas nem sempre foi assim…
A vida antes da TI
Iniciei minha trajetória no mercado de trabalho aos 17 anos. Trabalhei como atendente de telemarketing, assistente administrativo, recepcionista e quase 10 anos na área financeira. Nesse meio tempo, me formei em Design Gráfico e em Administração de Empresas. Onde tudo isso se interliga? Exatamente! Em lugar nenhum.
É fácil observar que eu não tinha um norte, e eu realmente ia pra onde a maré me levava. Sem propósito algum, estudei sobre design das coisas (acho que é porque tenho uma quedinha pela área criativa) e em seguida caminhei rumo à Administração de Empresas. Mas nos tempos ociosos no trabalho, eu estava sempre lendo ou fazendo alguma atividade de programação e — sem querer me gabar (me gabando) — eu mandava muito bem.
A falta de rumo e a virada
Nunca fui o tipo de pessoa que acredita em si mesma e sabe exatamente onde quer chegar. Como eu disse, deixei a vida me levar — e ela me levou… cada vez mais fundo no poço de não saber o que seria de mim.
Em meados de 2020, eu trabalhava no financeiro de uma empresa de software. Foi quando tive meu primeiro “contato” com a área tech. Fiz amizade com devs, analistas, QAs, gerentes de projetos. Estava, de certa forma, imersa num universo cheio de termos, siglas e rotinas muito novas pra mim — mas muito interessantes.
Em uma manhã de trabalho, cheguei na empresa, liguei minha máquina, respondi alguns e-mails, acessei o site de uma universidade particular e, sem pensar, calcular o risco ou o tamanho daquele passo… me inscrevi em uma graduação presencial em Análise e Desenvolvimento de Sistemas.
Três semanas de aulas presenciais e… março de 2020: pandemia da COVID-19.
Comecei a trabalhar e estudar em home office. Como a faculdade não tinha estrutura para esse modelo, o curso foi cancelado.
Recomeçar (Ou Começar de Verdade)
Dois meses depois, os períodos ociosos no trabalho — que antes eram esporádicos — passaram a ser cada vez mais frequentes. Comecei a sentir que talvez fosse ser demitida por falta de demanda. Fui contratada pra cuidar da administração do espaço físico de uma empresa que agora era 100% digital.
Me voltei novamente aos conteúdos de tecnologia e, num daqueles lapsos de coragem insana que a gente tem de vez em quando, me matriculei numa graduação online em Análise e Desenvolvimento de Sistemas.
No dia seguinte, fui demitida.
Não desisti. Comecei a estudar. Meu primeiro interesse na área foi UX Design. Devorei conteúdos sobre o assunto. Um amigo me indicou para uma vaga de Assistente de Sistemas num banco onde ele trabalhava. Ele me indicou só por consideração mesmo — a gente não tinha muita fé de que eu seria chamada. Eu não tinha experiência. Costumo dizer que eu mal conseguia ligar um notebook.
Dois meses desempregada, dois meses de faculdade sem entender quase nada, e meu telefone toca. Uma moça pergunta se eu gostaria de fazer uma entrevista para a vaga no banco.
Fiquei boquiaberta. Só o fato de terem me considerado já era ENORME pra mim.
Fui aprovada?
Dias depois da entrevista, recebo outra ligação da mesma moça.
— Você foi aprovada.
Eu não entendi na hora. Acho que não queria acreditar. Era uma mistura doida de emoções. Fiquei radiante de felicidade por alguns segundos, e nos segundos seguintes a realidade bateu como um soco no estômago: como eu vou trabalhar em UM BANCO, na área de TECNOLOGIA, se eu não sei nem ligar um computador?!
O que era alegria virou pânico. Pensei em não aparecer. Pensei em ligar pra moça e recusar. Mas respirei. Eu só precisava de coragem.
E eu tive. Fui trabalhar na semana seguinte.
Começando (Sem entender nada)
Comecei no novo emprego. E de cara, de 10 palavras que falavam, 11 eu não entendia — eu já deixava um crédito aqui porque sabia que a próxima também não faria sentido. No fim do dia, eu saía mais confusa do que chegava às 9h da manhã.
Nas primeiras semanas, fui no automático. Participava de reuniões, lia e-mails, ouvia conversas… e nada fazia sentido. Então decidi anotar todas as palavras que eu ouvia durante o dia — termos soltos mesmo. Se alguém visse aquele caderno, ia pensar que era código secreto. Chegando em casa, eu pesquisava tudo.
E assim nasceu meu próprio glossário tech.
Com o tempo, as coisas começaram a fazer o mínimo de sentido. Mesmo assim, eu sentia vontade de desistir a cada e-mail que eu não entendia. Me sentia uma barata tonta. Aquilo tudo não parecia ser o meu lugar.
Coragem é persistir
Acho que esse foi o ponto-chave da minha carreira: a coragem de continuar.
Coragem de encarar o desconhecido. Coragem de me manter firme mesmo achando que estava completamente perdida. Coragem de não desperdiçar uma oportunidade tão rara — lembrando que eu tinha só dois meses de faculdade e mal sabia ligar um computador.
Não foi nada fácil entrar nesse universo tão complexo, mas aos poucos, consegui. Sem perceber, comecei a dominar uma coisa ou outra. Entender melhor as reuniões, as demandas, as decisões. Me apaixonei por tudo aquilo.
Dois meses depois, eu estava voando. Já conseguia conduzir reuniões, entender melhor os processos.
Seis meses depois, vem a notícia: Você vai ser promovida a Analista de Sistemas Júnior.
Um misto de “Meu Deus, não acredito!” com “Socorro, sou uma farsa!” tomou conta de mim. A alegria e o pânico andaram lado a lado nessa jornada.
Fui promovida. Me empenhei. Estudei. Insisti. Errei. Aprendi. Perguntei. Fui corajosa. E adivinha? Eu não só consegui dar conta das minhas funções como me destaquei. Fui elogiada. Viram potencial em mim.
A jornada continua
Fiquei quatro anos nesse banco. Passei por funções como Analista de Sistemas, Analista de Negócios, Product Owner, Scrum Master…
Cada nova função me moldou. Eu me transformei completamente. De alguém que não sabia ligar um notebook a alguém que conduz times e entende (e ama!) tecnologia.
Hoje, trabalho em uma empresa grande, no centro corporativo mais importante do Brasil. Sou muito maior do que aquela profissional sem norte e infinitamente mais segura do que aquela assistente de sistemas apavorada.
Mas… o sentimento de impostora e insuficiência ainda está aqui. Sempre caminhando comigo. Tem dias em que me sinto uma profissional capaz e em constante evolução. Em outros, sinto que não sei o que estou fazendo.
E tá tudo bem. Aprendi que esse sentimento nasce da nossa mania de se autocobrar e se comparar com os outros.
O que te leva adiante
Existem várias formas de lidar com isso, mas uma coisa é certa: o que te empurra pra frente e te tira da inércia é coragem.
Coragem de ser iniciante.
Coragem de perguntar o que ninguém explicou.
Coragem de estudar mesmo depois de um dia exaustivo.
Coragem de abrir mão de um sábado no bar pra entender melhor aquele conteúdo.
Coragem de continuar mesmo quando o medo diz pra parar.
Migrar de área e mergulhar no desconhecido exige muito mais do que conhecimento técnico. Exige bravura, resiliência e, acima de tudo, a decisão diária de não desistir