"Você não sabe o que quer e está velha demais para recomeçar"
Há quem me olhe e veja estabilidade.
Sou concursada. Trabalho em um cargo que muitos consideram o destino final, a segurança que se busca depois de anos de luta. No papel, está tudo certo. Na realidade, é outra história.
Carrego formações que nunca exerci, cursos que nunca viraram profissão, projetos que nunca chegaram ao fim. Não porque me falte capacidade, mas porque o sabotador que vive em mim é especialista em cortar o fio no meio da costura. Começo, me empolgo, sonho… e depois algo em mim congela, desvia, se perde.
Não é só interno. Já ouvi, incontáveis vezes, que não me encaixo. Que não escolho “uma coisa só”. Que sou “esquisita”. As palavras chegam como rótulos que grudam e, de algum jeito, reforçam o que eu já temia: talvez eu esteja mesmo fazendo tudo errado.
Mas a verdade é que eu sei que sou capaz. Quando me proponho a fazer alguma coisa, enquanto não vejo pronta, eu não desisto. Peço ajuda, leio, tento. Vou até o fim. Só que, muitas vezes, me falta incentivo. A rotina me engole. A idade pesa. A obesidade, junto com tudo isso, vai me destruindo aos poucos. E, além de tudo, há a falta de oportunidade. Não consigo nem mesmo um estágio.
Ainda assim, eu sei que sou boa. Não porque sei de tudo, mas porque nunca me fecho para aprender. Porque tenho fome de conhecimento, mesmo quando o mundo parece me colocar numa prateleira invisível. Ser mãe, mulher e ter mais de 30, às vezes, cria uma máscara. É como se as pessoas parassem de enxergar quem você é por dentro, e passassem a ver apenas um rótulo do que acham que você já deveria ter sido.
Sou mãe de uma criança autista e de uma pré-adolescente. E, no meio da rotina que exige mais do que eu mesma sabia ter para dar, surge um desejo teimoso: recomeçar. Mudar. Escolher um novo rumo. Mesmo quando, segundo o manual da vida alheia, “já era para eu estar terminando”.
É que ninguém fala sobre como é viver sendo muitas coisas ao mesmo tempo — profissional, mãe, cuidadora, sonhadora — e ainda tentar se encaixar em uma moldura que nunca foi feita para você. Ninguém ensina como lidar com a sensação de estar sempre atrasada para a própria vida.
O que poucos entendem é que recomeçar não é um luxo. É sobrevivência. É recusar a ideia de que minha história acabou só porque não segui a linha reta que esperavam. Sim, eu me saboto. Mas também insisto. E talvez, no fim, isso seja a forma mais silenciosa e corajosa de resistir.
E talvez, no fim, essa seja a forma mais silenciosa e corajosa de resistir.
E você? Já passou por algo assim… e conseguiu vencer?