Como reconhecer um texto do ChatGPT quando ele entra no “modo inspirado”
- #ChatGPT
- #IA Generativa
O ChatGPT está presente na vida de muita gente hoje. Ele aparece no trabalho, nos estudos, na produção de conteúdo e até nas conversas do dia a dia. Um dos usos mais comuns é o reaproveitamento de textos autorais. Escreve-se um texto e, a partir dele, surgem outras versões: carrossel para Instagram, roteiro de vídeo curto, legenda para rede social. Nesse ponto, a ferramenta ajuda bastante.
O problema não está no uso em si. A questão começa quando se cria a expectativa de que a inteligência artificial vá substituir o pensamento humano. Quem já domina um assunto consegue ampliar sua própria capacidade usando o ChatGPT como apoio, principalmente quando sabe formular bons comandos. Ele agiliza tarefas e economiza tempo.
Mas quando a ferramenta passa a ser usada como fonte principal de conhecimento, o risco é grande. A pessoa pode se perder no processo e sair com a ilusão de que sabe mais do que realmente sabe. O texto vem pronto, bem organizado, mas muitas vezes com informações erradas. Isso acontece com frequência, inclusive em conteúdos ligados à língua portuguesa. Por esse motivo, confiar nesse tipo de ferramenta como fonte definitiva não é uma boa escolha.
Ao adaptar textos, surge outro fenômeno curioso: a tentativa constante de escrever de forma “profunda”. Esse estilo aparece tanto que já se tornou reconhecível. É o que muitos chamam de modo inspirado — aquele texto que tenta parecer literário o tempo todo, mas acaba ficando forçado.
Um dos primeiros sinais é a obsessão pelo silêncio. Silêncio, silencioso, silenciar. Há algo de silencioso na manhã. O silêncio fala mais alto. Não está errado dizer isso, mas quando o silêncio aparece o tempo todo, vira um amuleto de introspecção artificial. Fica repetitivo e cansativo.
Logo em seguida vem o “ruído”, quase sempre como antagonista do silêncio. Tudo o que não importa vira ruído. Conversas importantes de um lado, o resto é só ruído. Não como barulho real, mas como metáfora para tudo o que sobra e não cabe na resposta.
Essas palavras, quando bem usadas, funcionam. Há textos literários em que silêncio e ruído fazem todo sentido. Um exemplo claro aparece em um poema que descreve a transição entre a festa e o repouso, o som e a ausência dele. Ali, o silêncio não é enfeite, é significado. O ruído não é metáfora vaga, é imagem concreta. Nesse caso, não há tentativa forçada de profundidade.
O problema é quando essas palavras aparecem apenas para parecer profundo.
Outro vício comum é o uso exagerado do verbo “florescer”. Nada melhora, nada cresce, nada se desenvolve. Tudo floresce. A consciência floresce, as ideias florescem, a alma floresce. Todo crescimento vira florescimento, mesmo quando a palavra não acrescenta nada ao sentido.
O verbo “devolver” também aparece de forma insistente. Palavras devolvem humanidade, a arte devolve sentido à vida, o texto devolve peso. O problema é lógico: não se devolve algo que nunca foi entregue antes. Se algo nunca teve peso ou sentido, não há o que devolver. Muitas vezes, um verbo simples resolveria melhor a frase.
Há ainda o jogo constante de luz e sombra. Onde há luz, há sombra. A luz interior ilumina as sombras do ser. Essas figuras de oposição aparecem o tempo todo, assim como a ideia de tempo cíclico: ciclos que se encerram para outros começarem, tudo voltando ao ponto de partida, o tempo se dobrando sobre si mesmo — mesmo quando isso não tem relação com o contexto.
Outro campo muito explorado é o das sementes. Toda ação vira semente, toda palavra é plantio, o tempo colhe o que a alma semeia. Às vezes funciona. Muitas vezes, não. O mesmo vale para a obsessão com a “essência”, sempre algo a ser retomado ou resgatado.
O vocabulário etéreo também se repete: a tênue linha entre o dizer e o calar, a sutil presença do invisível, a beleza fugidia do instante. Em muitos casos, essas expressões não fazem sentido lógico. Dizer e calar são opostos, não existe linha tênue entre eles. A tentativa de suavizar tudo acaba esvaziando o significado.
Os paradoxos aparecem em excesso. É no perder que se ganha. A ausência também é presença. O vazio é fértil. Frases que soam profundas, mas muitas vezes não dialogam com o texto em que estão inseridas. Colocar dois polos opostos não garante profundidade automática.
Outro traço recorrente é a pontuação suspensa. Frases que começam com “há algo de…” e nunca especificam exatamente o quê. Há algo de eterno nas despedidas. Há algo de silencioso nas coisas simples. Tudo fica em suspensão, como se a vagueza fosse sinônimo de profundidade.
Há também o gosto pela palavra “bruta”: verdade bruta, beleza bruta, existência bruta. Assim como as metáforas de luz difusa — faíscas de consciência, fagulhas de sentido, luz tênue da compreensão.
Verbos como “mergulhar”, “arder” e “revelar” aparecem o tempo todo. Mergulhar em camadas, arder de sentido, a sombra revelando o que a luz não diz. O espelho também é presença constante: o outro como espelho, o texto como reflexo, o avesso do espelho.
O excesso de travessões também virou um marcador. O travessão existia antes do ChatGPT, mas o uso exagerado fez com que muitos leitores passem a associar automaticamente esse recurso à escrita artificial.
Outro sinal forte é o fechamento moralizante. Depois de um texto longo, surge uma conclusão genérica: no fim, é tudo sobre ser. No fundo, é simples. Independentemente da complexidade do tema, tudo termina em uma lição vaga.
Por fim, há a estrutura explicativa padrão: “porque tal coisa não é isso, é aquilo”. Sempre com três elementos. Nunca dois. Nunca quatro. Sempre três. Essa fórmula se repete com tanta frequência que se torna previsível.
Nada disso significa que a ferramenta não tenha utilidade. Todos têm manias linguísticas, inclusive pessoas reais. A inteligência artificial também tem as suas. O ponto central é reconhecer esses padrões, revisar o texto e assumir responsabilidade pelo que se escreve.
Escrever bem continua sendo um exercício de atenção, escolha e consciência — algo que nenhuma ferramenta faz sozinha.



